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Cidades de Lula e Bolsonaro têm divisão eleitoral com jeito próprio

Garanhuns (PE) e Eldorado (SP), com apoiadores e críticos de ambos, ilustram polarização com separação por nichos
Foto: Divulgação

Pouco mais de 2.000 km separam Garanhuns, cidade do agreste pernambucano conhecida pelo inverno rigoroso, e Eldorado, município quente do interior paulista. Quase nada aproxima as duas terras, que coincidem em um aspecto: são berços dos protagonistas da eleição presidencial deste ano.

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) dividem as preferências em ambas, repetindo a polarização no restante do país. A cisão, porém, ganha contornos próprios em cada uma das cidades.

Em Garanhuns, gritos de “olê, olê, olá, Lula, Lula” ecoaram, dias atrás, durante atos da pré-campanha do petista, que fez viagem pela região e aferiu seu apoio entre os conterrâneos na busca de um terceiro mandato. Ele tem 47% das intenções de voto, de acordo com o Datafolha.

Em Eldorado, o clima eleitoral nas ruas ainda é morno, mas bolsonaristas incendeiam aplicativos de mensagens com louvores ao candidato à reeleição, que está na segunda posição na pesquisa, com 29%. Bandeiras do Brasil nas fachadas são um termômetro de popularidade, mas não unanimidade.

A reportagem acompanhará em uma série de reportagens o desenrolar da corrida ao Planalto nos dois rincões pelos olhares de lulistas e bolsonaristas. Além dos laços com os políticos, são localidades com peso simbólico para observar o embate longe dos grandes centros urbanos.

A cidade pernambucana, que entrou para o imaginário como terra de Lula, deu expressivas votações ao ex-presidente e caminha para o mesmo rumo desta vez. Mas ele —nascido em 1945 no distrito de Caetés, que pertencia então a Garanhuns e só depois viraria município— também tem detratores.

O apoio a Bolsonaro entre os garanhuenses é mais evidente em segmentos da base fiel ao presidente, sem tanta expressão em nichos médios. Mesmo fatias que aparecem nas sondagens como mais ligadas ao chefe do Planalto, caso do eleitorado masculino, abrigam na cidade simpatizantes do petista.

Garanhuns, de onde o retirante Lula saiu criança com a família rumo ao estado de São Paulo, prefere o PT para a Presidência desde 2002. Fernando Haddad teve 72% dos votos válidos no município no segundo turno de 2018, enquanto Bolsonaro ficou com 28%. A reportagem teve dificuldade para encontrar apoiadores do atual mandatário em espaços de grande circulação, como a feira e as avenidas com centros comerciais, mas ouviu a sugestão de procurá-los em um clube de tiro —onde, de fato, estavam.

A administradora do estabelecimento, Catarina Brito, 29, diz votar em Bolsonaro por se identificar com valores defendidos por ele, o que inclui o armamento. Mas, segundo ela, não só entusiastas do presidente frequentam o espaço, que também recebe partidários de Lula e de outros candidatos.

“O discurso [de Bolsonaro] em si fomenta nossa atividade. Nosso objetivo é desmistificar a questão da prática esportiva do tiro. Arma é um instrumento de defesa, não mata ninguém. É um objeto delicado e que precisa de uma pessoa sensata [manuseando]”, afirma ela, dizendo-se confiante na reeleição.

Outros bolsonaristas só deram entrevista sob condição de anonimato. A justificativa para evitar a exposição foi a de que temem eventuais retaliações a seus negócios, no caso de comerciantes, e o risco de serem boicotados por familiares e amigos de posições políticas divergentes.

Em Garanhuns, a Folha não se deparou com bandeiras e adesivos alusivos nem a Bolsonaro nem a Lula. A campanha oficialmente começa no dia 26. Questionados sobre o ex-presidente, porém, seus apoiadores falam espontaneamente sobre a ligação dele com a cidade e citam como principal justificativa para o voto programas de inclusão social dos governos petistas, como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida.

“Lula quem deu a casa que a gente mora, no Sítio Capoeiras”, diz a feirante Vanessa Batista, 46. “Lá no sítio não tem Bolsonaro, não. Todo mundo tem uma casinha. Antes a gente morava em casa de taipa. Sei que a gente paga muitas coisas para fazerem isso, mas quem fez foi Lula.”

A incursão da reportagem em Garanhuns coincidiu com a visita do ex-presidente, no último dia 20. Foi também o período do festival de inverno daquela que, devido às baixas temperaturas, é chamada de “Suíça pernambucana”. Desde o dia anterior ao ato, o petista surgia em conversas nas ruas e no comércio.

Do lado de fora do comício, enquanto esperava na fila para entrar, a dona de casa Marluce Mendes, 62, afirma que o aumento do Auxílio Brasil para R$ 600 até dezembro, proposto pelo governo Bolsonaro e aprovado pelo Congresso na chamada PEC eleitoral, não vai alterar o voto dela em outubro.

“Bolsonaro pode dar R$ 1.000, R$ 2.000, R$ 3.000 de auxílio que não mudo de voto”, resumiu a beneficiária do programa. “Ele aumenta o auxílio, e os preços vão aumentando junto, então não adianta muito.”

Em Eldorado, é mais fácil encontrar entusiastas do que críticos de Bolsonaro. Natural de Glicério (SP), ele passou na cidade do Vale do Ribeira seu período de formação, dos 11 aos 18 anos de idade, e ainda hoje é uma figura constante, seja pelas visitas ou pela presença de familiares na região.

Os eldoradenses estão divididos entre ele e Lula, mas a cisão política tem também um fator geográfico. O núcleo urbano tende a votar no atual mandatário, enquanto a zona rural, que abriga 13 comunidades de descendentes de escravizados, pende historicamente para o PT.

“Os únicos aqui que não gostam do Jair são os quilombolas. Porque ele cortou a mamata que tinham”, diz a gari Narcisa dos Santos, 68, mostrando no celular uma foto ao lado do presidente, “souvenir” exibido por outros tantos moradores na cidade, que deu 54% dos votos a ele e 46% a Haddad em 2018.

Narcisa se exalta ao expor o raciocínio de que as comunidades tradicionais foram beneficiadas com assistencialismo na era PT e tinham mais direitos do que outros habitantes. “Antes vinham caminhões de cestas básicas para essa turma que nunca trabalhou na vida.”

A fala sobre privilégios é frequente na boca dos bolsonaristas locais, mas os quilombos rebatem. Dizem que as cestas eram parte de ações mais amplas do governo Lula para os territórios, que incluíam linhas de crédito para ampliar a produção de alimentos orgânicos, acesso ao mercado e capacitação.

“Na cidade de Eldorado, uma boa parte da população é racista”, diz o agricultor Benedito Alves da Silva, o Ditão, 67, líder comunitário do Ivaporunduva, quilombo que planta banana e outras variedades e conseguiu aumentar o escoamento da produção durante governos petistas.

Também filiado ao PT, ele é um dos que ainda hoje se indignam com a fala de Bolsonaro, em 2018, sobre quilombolas do município, em que usou termos aplicados a animais. O hoje presidente disse que um dos moradores “pesava sete arrobas” e “nem para procriador” servia mais.

“Aquilo chocou muita gente”, afirma João Vitorino da Mota, 59, da comunidade André Lopes. “Baseados na gestão do [ex-]presidente Lula, nós estamos com ele”, completou Mota. “Sabemos o valor do nosso voto e queremos dá-lo a quem sabemos que tem propostas para nós e para o povo brasileiro.”

Os palpites sobre o pleito deste ano ilustram o acirramento das tensões na cidade cortada pelo rio Ribeira de Iguape. Lulistas relatam com convicção que seu candidato sairá vitorioso, enquanto bolsonaristas apostam que o mandatário terá apoio maior que há quatro anos. “A gente vê muita gente de direita nos quilombos, inclusive evangélicos, que vão votar no Bolsonaro”, diz o servidor público e empresário Rodolfo Mariano, 42, católico que endossa o presidente porque “ele é bem cristão, bem temente a Deus”.

 

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